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segunda-feira, 28 de junho de 2010
LEMBRANÇA DE AVÓS
Agora há pouco vi um comercial de TV falando sobre o projeto de um banco que estimula as atividades culturais por senhores e senhoras de terceira idade, ou como eles gostam de falar, melhor idade. Que delícia de comercial. É gostoso e estimulante ver que podemos produzir algo bom em uma idade que a maioria acha que é o fim de linha.
O que mais me interessou no comercial foi a nostalgia a que ele me trouxe. Entre 2000 e 2005 perdi os meus quatro avós. Partiram em sequência, como se tivessem combinado de fazer alguma farra lá no outro plano. Quando vi este comercial, então, senti bastante falta deles. Não que eu não sinta nos outros dias mas hoje a saudade me despertou todos os sentidos. Os cheiros, os toques, os sons, as imagens e os gostos se acentuaram em minha memória.
Lembro-me de quando visitava minha avô materna. Sentia aquele cheiro de comida bem típico das quais ela fazia. Ela tinha, com meu avô, um bar bem do lado da minha casa. Apesar de não gostar de comer aqueles pratos que ela preparava, como sarapatel ou buchada, gostava do cheiro forte do tempero e já imaginava os clientes do bar se deliciando com aquelas loucas misturas de todos os tipos de carnes. Sinto saudade de visitá-la inúmeras vezes por dia ou mesmo de ser visitado por ela, que sempre tinha uma fofoca nova sobre alguém do bairro. Deitado no sofá, já podia ouvir aquela voz rouca de cigarro falando sobre o falecimento do dia ou algum outro acontecimento relevante. Era divertido!
Este bar que ela cuidava com carinho me traz à memória a lembrança mais doce do meu avô torto. Posso sentir agora o gosto açucarado dos doces e guloseimas que meu avô vendia no bar. Ou melhor, "botiquinho" como falava quando era criança. Todos aqueles doces que eram da minha época estavam lá: juquinha, pirulito do zorro, doce de leite, cocada, bolete, bananada, pipoca doce (aquela do saco rosa), babalu, pé de muleque. Já chegava no bar me achando....ia direto para trás do balcão e pedia para pegar doce. Claro, sempre acompanhado de refrigerante. Aquele que vinha na garrafinha de vidro. Única preocupação: cuidado para não quebrar o casco! Comia de tudo! Não sei como nunca tive cárie! Que gosto bom, que gosto bom de doce antigo!
Uma quadra depois do bar moravam meus avós paternos. Dois alagoanos que vieram para o Rio tentar uma vida melhor. Eles eram mais velhos que os outros. Vieram de uma criação diferente. Eram diferentes dos maternos, eram mais calmos. Agora o cenário mais forte que vem a minha memória é: um quintal grande, cheio de árvores e, sentada num banco velho de madeira, estava minha avó, de vestido estampado, ou fumando cachimbo ou costurando uma colcha de retalhos. Ainda tenho uma colcha dela em meu aparamento, meu Deus! Do outro lado do quintal, estava meu avô, usando um par de havaianas velhas com sola branca e alça azul claro, dando milho para as galinhas que ficavam num galinheiro improvisado de uma obra não concluída. Lembro de um tanque velho onde eu lavava minha mão com sabão de côco quando me sujava tentando pegar pitanga no pé, que ficava do lado do pé de goibaba, atrás do pé de abacate. Como eles eram de rotina, via esta cena todos os dias, no fim da tarde.
Ouço agora eu pedindo a benção de minha avó e de ouvir, seguido de um beijo na testa, um "Deus que te faça feliz e que te dê sorte". Ela falava baixinho, com um sotaque bem carregado. Por isso levei anos para entender o que ela realmente falava. Na verdade não me interessava muito em saber pois, já tinha certeza que era uma coisa boa. Afinal de contas vinha de minha avó.
Ao encontrar meus avôs partenos, sempre tinha que beijar suas mãos. Lembro que, quando bem pequeno, achava estranho beijar aquelas mãos enrrugadas. Dava uma sensação estranha na boca. Era esquisito. E como toda criança sabe, pele de velho é estraha. Hoje sinto saudade desta sensação esquisita de beijar a pele velha e enrrugada dos meus avós.
Ao cair, neste momento, uma lágrima do meu olho esquerdo, sinto uma alegria imensa. Uma vontade de voltar, nem que seja por alguns segundos, no tempo em que eu tinha eles perto de mim fisicamente. Nunca vou lembrar da tristeza de vê-los partir, e da forma como foram. Mas sim de todas essas lembranças cheirosas, gostosas e agradáveis que eles me proporcionaram. É amor com gosto de nostalgia. É amor puro. É amor para guardar sempre.
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Belíssimo texto Filipe, de uma sensiblidade absurda. Parabéns! Conseguiu me transportar para meu passado também com minha avó. Notei muitas similaridades. Ah, como ela faz falta! Ela tinha um grande quintal com um grande mangueira, parece que sinto o cheiro das mangas, acredita? Seu texto me emocionou muito, obrigado por postar sua emoção e saudosismo e compartilhar conosco. Agradeço também sua visita em meu blog.
ResponderExcluirObg pelo comentário Filipe. Você escreve muito bem. Passarei sempre por aqui. Já eu estou em uma fase improdutiva! Me apossando das palavras de outros! Mas tudo passa.
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