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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

FIM DE LINHA - O ÚLTIMO DIA



Cheguei em São Paulo depois de pegar uma ponte aérea macabra. Logo eu, que adorava pegar ponte, estava aflito e com sentimento de estar definitivamente indo para a forca.
Peguei um transporte e me dirigi para a Academia de Treinamento da TAM. Era lá que tinham marcado comigo e com mais outra dezena de tripulantes. Naquele momento todos já sabiam o que estava por acontecer.

Já na portão principal, havia um homem com um plancheta na mão. Somente poderia entrar lá quem estivesse na lista. E nesta lista, meus amigos, ninguém gostaria de estar. Como eu gostaria de ser barrado nesta festa. A primeira pergunta que este homem fez foi: Tudo bem? Eu, já tomado por um triste sentimento, respondi: Não, serei demitido hoje! Ele não tinha culpa. Sua infeliz pergunta o fez ouvir um comentário irônico e raivoso. Não me senti culpado.

O esquema para essa demissão coletiva foi de uma grandiosidade que nunca havia visto. Me senti num campo de concentração. Aquele homem que havia me perguntado se estava tudo bem foi a primeira e última pessoa que ensaiou algum tipo de alegria. Talvez numa tentativa de nos fazer sentir melhor. Todas as outras pessoas que falaram conosco estavam sérios, serenos e pior, sem graças. Eles estavam meio sem reação. Estava claro que eles não estavam confortáveis com o papel que estavam exercendo.

Nós fomos divididos em grupos. Entramos numa sala onde havia sido preparado um café da manhã. Acreditem! Eu ainda tomado pela ironia disse: Nossa! Me sinto num velório norte americano onde apesar da tristeza de todos, havia uma festa preparada para os convidados!
Havia um clima de tristeza muito grande na sala. Como foi estranho. Sobre a tristeza falarei daqui a pouco.

Fomos encaminhados para outra sala onde nos encontramos com integrantes da chefia de tripulação de cabine. Elas estavam aparentemente tristes e com cara de enterro. Foi explicado o porque de estarmos ali naquele dia. Era uma tentativa frustada de mostrar o lado humano da empresa. O porque de estarmos ali não era novidade para ninguém. Algumas pessoas choravam, outras desabafaram e mostraram sua enorme indignação. Eram histórias tristes e desconfortáveis de ouvir.

Fomos para outra sala. Eu fui o primeiro e entregar meu crachá. A partir daí veio todo aquele processo legal de desligamento. Me entregaram uma carta de recomendação. Eu ri e desabafei que aquela carta não me serviria de nada visto que quem a escreveu não conhecia de fato meu trabalho. Era uma carta padrão e que para mim de nada valia.


***

Aquele emprego não era o meu primeiro. Nunca tive o sonho de voar. A oportunidade veio de um desejo instantâneo e uma necessidade de procurar algo novo. A profissão me conquistou e inspirava minha arte. Voar me inspirava a escrever e a me jogar no Brasil de forma quase poética. Mas de fato aquele emprego não me tocava. Ele não vinha do meu imaginário infantil. É claro que perder aquele emprego não estava sendo fácil. E eu precisaria ralar muito para conseguir outro. Mas ainda sim era mais um emprego.
Quando cheguei em casa eu chorei. Chorei muito. Solucei. Chorava como criança. Eu tinha perdido um emprego apenas. Minhas lágrimas vinham do sofrimento de meus amigos. Eles estavam perdendo um sonho.
Aquelas meninas, minhas amigas, que sempre sonharam em voar. Aquelas lindas que largaram suas cidades e foram morar sozinhas em São Paulo em busca do sonho de ser Aeromoça. O sofrimento delas que me fez chorar. Elas tiveram um sonho brutalmente interrompido. Como elas sofriam. Doía de ver. Elas pareciam perdidas, sem saber o que fazer. Sem saber como viveriam sem voar. A tristeza delas me tocou muito. 
Dias como este eu não desejo a ninguém. Foi pesado demais. Foi sofrível.


***

Após o processo legal de desligamento e o fornecimento de algumas passagens cortesias para que pudéssemos voltar para casa, nós tínhamos somente um caminho a seguir: o de saída.

Tenho certeza que a empresa não pensou no último detalhe. Eles não se atentaram para o fato mas para mim e para muitos outros foi tristemente simbólico: Saímos pela porta dos fundos da Academia de Treinamento.

Quando eles precisaram da gente e nos admitiram para aquecer o crescimento da empresa, entramos engravatados e engomados pela porta da frente. Quando entraram em crise e precisaram nos desligar, saímos com roupa comum, chorando pela porta dos fundos. Não tinha mais o que fazer. Poucos conversaram.

Fui embora pensando como faria daquele dia em diante. O futuro não tinha ideia de como seria.

Assim encerrei meu ciclo na aviação. Foi intensamente apaixonante. 

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