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domingo, 25 de setembro de 2011

THE SHOW MUST GO ON, ALWAYS!


No topo da página, onde se encontra o título do blog, eu digo que isso aqui é um diário de bordo. Mas normalmente os posts acabam sendo muito informativos. O que é muito bom também.
O que eu vou escrever hoje é o que mais se aproxima do que chamamos de diário de bordo mesmo.

Viver a vida louca que tenho não é fácil. Moro em duas cidades. Tenho obrigações nas duas, muitas coisas para resolver em ambas. E no meio disso têm os vários vôos que tenho que fazer. Nem sempre dá para resolver todas as pendengas. As vezes o que tenho que trazer para o Rio fica em São Paulo ou vice-versa. É tudo muito confuso.

E nessas poucas brechas que tenho, ainda tenho que visitar a família e ver amigos - o que é fundamental. Passo muito tempo com pessoas que acabei de conhecer - voltar pra casa é ter a chance de desabafar, sair para dançar, ou seja, receber doses de atenção de quem me conhece muito bem.

Aí pega isso tudo e encaixa na escala que tenho! Imagina! Não sobra muito tempo. Às vezes nem para dormir o quanto você queria. De vez em quando eu consigo dormir mais e melhor nos pernoites do que em casa.

Falando em pernoites, esses são algumas vezes entediantes. E isso traz a tona um dos lados negativos mais característicos da profissão: Solidão. Não há comissário que não tenha sentido ao menos uma vez solidão. Alguns não aguentam e acabam tendo síndrome do pânico. A solução para a solidão pode ser uma boa leitura, uma ligação, um chat ou um passeio com a tripulação. Se o grupo não estiver entrosado, aí o negócio todo fica complicado. rs

No meio desta vida turbulenta, se alguma coisa dá errado como por exemplo um problema pessoal que ficou por resolver no Rio ou alguma conta que eu esqueci de pagar, fica difícil se concentrar no trabalho como eu quero. Mas não há muito o que fazer. The show must go on. Eu tenho que me entregar e esquecer um pouco que tenho problemas do lado de fora do avião. Pode até ser que o trabalho ajude a desobstruir meus pensamentos negativos.

Vejo o trabalho do comissário como uma apresentação de atletas de nado sincronizado. Ao olhar dos espectadores, elas devem sempre estar sorrindo e mostrando graciosidade. Entretanto, debaixo d'água só elas sabem do esforço que estão tendo que fazer. Só elas sabem a dor nas pernas que estão sentindo ou o pulmão que está implorando por mais fôlego. O público não tem nada ver com isso. Eles querem beleza!

Com os comissários é parecido. Devemos sempre estar sorrindo e distribuindo gentileza. Não importa se tenho problemas pessoais para resolver, se meus dedos estão com calos por causa do sapato, ou se minha mão está estourada de tanto puxar trolleys e enfiar a mão em sacos de gelo. Os passageiros nada têm a ver com isso. Eles querem nos ver impecáveis e perfeitos.

Eu acho que o importante é saber reconhecer os pontos positivos e negativos da profissão. A partir deste momento, você consegue enxergar se realmente vale a pena estar naquele lugar fazendo aquilo. É muito difícil. Creio que tenho visto isso cada vez mais.

Minha vida está uma loucura, mesmo quando quero chorar tenho que estar sorrindo, nem sempre é bom pernoitar em Salvador, não é legal acordar 2 da manhã para trabalhar e nem tomar café na hora do almoço. Mas ainda sim tem tanta coisa incrível que estou aprendendo, vendo, fazendo e descobrindo...Tenho certeza que gosto do que faço e estou muito feliz com minha profissão - sem deslumbramentos e sem falta de censo crítico, claro!

Estou no lugar certo, sim. O show deve continuar, sempre. Não só na aviação, mas na vida.

domingo, 18 de setembro de 2011

A RESERVA


Segundo regulamentação, reserva é o período de tempo em que o aeronauta permanece por determinação do empregador, em local de trabalho a sua disposição - por no máximo seis horas.

Simplificando bastante o negócio todo, reserva é quando ficamos sentados no DO (Despacho Operacional) da empresa, rezando ou não para ser acionado. É literalmente sair de casa sem rumo. É você não saber se vai passar frio em Porto Alegre ou enfrentar o calorzão de Cuiabá. Fazer reserva é você se uniformizar, preparar sua mala e ir ao aeroporto sem saber o seu destino próximo. Se é que haverá um destino.

Para quem não sabe, D.O. é um mini complexo da empresa no aeroporto, onde se encontram representantes da chefia, balcão da escala, visores informativos, sala de DOV's, televisão, computadores para apresentação e consultas, achados e perdidos de tripulantes, guarda malas, salas de briefing, cadeiras e sofás, bebedouro e banheiros. É onde os tripulantes se encontram e aguardam para iniciar um voo ou cumprir uma reserva. É movimentação de tripulantes o tempo inteiro!

Ao chegar no DO para uma reserva, a primeira coisa que faço após me apresentar no computador é procurar alguém que eu conheça. Afinal de contas você tem que fazer alguma coisa para tornar a passagem do tempo mais rápida. E nada melhor do que colocar o papo em dia com um colega de trabalho. Se não encontro alguém, meu plano B é pegar meu "kit reserva". Neste kit tenho, um livro ou revista, meu notebook e meu telefone celular. Este kit é super eficaz para fazer o tempo voar.

As reservas podem ser nos horários mais loucos. Então se você tem uma reserva das 7 da manha até 13 horas, por exemplo, encontre logo um cantinho discreto para sentar porque pode ser que você caia no sono e tire uma soneca. rs E nada melhor do que a discrição.

O desejo ou não de ser acionado depende de vários motivos. Se naquele dia estou muito cansado porque fiz um vôo de seis dias na semana anterior, é fato que vou rezar para não ser acionado. Se minha escala está muito folgada certamente meu desejo será de voar. Ou se daqui a dois dias farei um vôo maravilhoso, é certo que não vou querer ser acionado para nenhum vôo que possa eliminar esse outro.

Ficar horas no DO, as vezes sem nada para fazer a não ser esperar o que vão decidir para a sua vida naquele dia, pode ser muito entediante. Você dorme, conversa, come, lê, dorme, ouve música, vê televisão, conversa mais um pouco, dorme de novo, organiza seus papeis, desorganiza para organizar de novo...o tempo as vezes simplesmente não passa.rs Por isso o próprio fato de fazer reserva já deixa o comissário louco para querer voar o mais rápido possível.

Quando ouve-se um sinal sonoro seguido da frase "Por gentileza, comissário.....comparecer ao balcão da escala", pode-se observar caras de alívio (ufa! não sou eu!), ou caras de agonia (droga, não foi dessa vez!). Ou então comissário "zuando" o outro por ter sido acionado.

Eu quase sempre sou acionado em reserva. A maioria delas foram um baque - pois por causa delas perdi vôos bons ou compromissos. Mas assim é a vida. Já estou me acostumando com isso.

Certa vez fiquei chateado por ter sido acionado em uma reserva para um vôo de 2 dias. Perdi outro voo bom por causa disso e deixei de pernoitar em casa naquela semana. Mas acabei tendo um pernoite surpreendente e incrível em São Luís. Acabei o voo feliz da vida. O certo é não reclamar ao ser acionado. Coisas incríveis podem acontecer num futuro próximo.

Como disse em um post anterior, a vida de um comissário se resume, entre outras coisas, em esperar! E a reserva é apenas uma parte disso.

domingo, 4 de setembro de 2011

INSIGHT - O VÔO DE ONTEM


Sobrevoando do norte ao nordeste, no meio do serviço de bordo, fomos obrigados a pôr em prática o que aprendemos na academia de treinamento. Mais uma vez acontece no meu vôo.

Durante o serviço de bordo uma passageira desmaia e fica estirada nos braços do comissário. Eu, que estava do outro lado do trolley, chamei a atenção do chefe de cabine através da chamada de comissário de um dos passageiros e saí do corredor rápido para liberar a passagem. Enquanto o comissário verificava o pulso da passageira, eu solicitei a presença voluntária de um médico a bordo. SORTE! Apareceram 3!
Levamos a passageira para a galley traseira e o médico tomou a frente. Enquanto eu pegava o cilindro de oxigênio e começava a abrí-lo, outra passageira também desmaiou!

Desta vez a galley dianteira serviu de espaço para o atendimento. E usamos mais um cilindro de oxigênio, como também kit médico, sacos de enjôo, e mais a força dos braços para levantá-la.

Dois comissários ficaram na frente e os outros dois na galley traseira - sempre acompanhados dos médicos. E ainda tivemos que atender a cabine de passageiros e terminar o serviço de bordo.

Acho que o ingrediente fundamental para que tudo tenha dado certo foi a paciência da tripulação. Agimos calmamente e com seriedade, o que mostrou segurança aos outros passageiros.

Essa não foi a tripulação que mais me identifiquei, pessoalmente falando, mas durante o voo o profissionalismo corre solto. Juntos, trabalhamos muito bem.

Ao final do voo, com as passageiras já sentadas e tranquilas, tivemos a sensação de dever cumprido. Naquele momento, tivemos a oportunidade de mostrar às pessoas o porquê de estarmos ali. Um voo inesquecível.

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