
No topo da página, onde se encontra o título do blog, eu digo que isso aqui é um diário de bordo. Mas normalmente os posts acabam sendo muito informativos. O que é muito bom também.
O que eu vou escrever hoje é o que mais se aproxima do que chamamos de diário de bordo mesmo.
Viver a vida louca que tenho não é fácil. Moro em duas cidades. Tenho obrigações nas duas, muitas coisas para resolver em ambas. E no meio disso têm os vários vôos que tenho que fazer. Nem sempre dá para resolver todas as pendengas. As vezes o que tenho que trazer para o Rio fica em São Paulo ou vice-versa. É tudo muito confuso.
E nessas poucas brechas que tenho, ainda tenho que visitar a família e ver amigos - o que é fundamental. Passo muito tempo com pessoas que acabei de conhecer - voltar pra casa é ter a chance de desabafar, sair para dançar, ou seja, receber doses de atenção de quem me conhece muito bem.
Aí pega isso tudo e encaixa na escala que tenho! Imagina! Não sobra muito tempo. Às vezes nem para dormir o quanto você queria. De vez em quando eu consigo dormir mais e melhor nos pernoites do que em casa.
Falando em pernoites, esses são algumas vezes entediantes. E isso traz a tona um dos lados negativos mais característicos da profissão: Solidão. Não há comissário que não tenha sentido ao menos uma vez solidão. Alguns não aguentam e acabam tendo síndrome do pânico. A solução para a solidão pode ser uma boa leitura, uma ligação, um chat ou um passeio com a tripulação. Se o grupo não estiver entrosado, aí o negócio todo fica complicado. rs
No meio desta vida turbulenta, se alguma coisa dá errado como por exemplo um problema pessoal que ficou por resolver no Rio ou alguma conta que eu esqueci de pagar, fica difícil se concentrar no trabalho como eu quero. Mas não há muito o que fazer. The show must go on. Eu tenho que me entregar e esquecer um pouco que tenho problemas do lado de fora do avião. Pode até ser que o trabalho ajude a desobstruir meus pensamentos negativos.
Vejo o trabalho do comissário como uma apresentação de atletas de nado sincronizado. Ao olhar dos espectadores, elas devem sempre estar sorrindo e mostrando graciosidade. Entretanto, debaixo d'água só elas sabem do esforço que estão tendo que fazer. Só elas sabem a dor nas pernas que estão sentindo ou o pulmão que está implorando por mais fôlego. O público não tem nada ver com isso. Eles querem beleza!
Com os comissários é parecido. Devemos sempre estar sorrindo e distribuindo gentileza. Não importa se tenho problemas pessoais para resolver, se meus dedos estão com calos por causa do sapato, ou se minha mão está estourada de tanto puxar trolleys e enfiar a mão em sacos de gelo. Os passageiros nada têm a ver com isso. Eles querem nos ver impecáveis e perfeitos.
Eu acho que o importante é saber reconhecer os pontos positivos e negativos da profissão. A partir deste momento, você consegue enxergar se realmente vale a pena estar naquele lugar fazendo aquilo. É muito difícil. Creio que tenho visto isso cada vez mais.
Minha vida está uma loucura, mesmo quando quero chorar tenho que estar sorrindo, nem sempre é bom pernoitar em Salvador, não é legal acordar 2 da manhã para trabalhar e nem tomar café na hora do almoço. Mas ainda sim tem tanta coisa incrível que estou aprendendo, vendo, fazendo e descobrindo...Tenho certeza que gosto do que faço e estou muito feliz com minha profissão - sem deslumbramentos e sem falta de censo crítico, claro!
Estou no lugar certo, sim. O show deve continuar, sempre. Não só na aviação, mas na vida.